sábado, 13 de fevereiro de 2010

Tirinhas


Grace ou o filme Anti Johnson & Johnson




Grace é um filme que exige estômago. Isso é um fato inqüestionável. Já assisti filmes fortes que me fizeram virar o rosto, fechar os olhos ou proteger o rosto com as mãos(12 dias de Sodoma, Irreversível, Teresia). Em Grace eu minimizei a janela do vídeo e respirei fundo. As noticias de pessoas desmaiando em exibições do filme no Festival de Sundance chamou minha atenção. Só não esperava encontrar uma obra tão perturbadora.
A teratofobia é o medo sentido por mulheres durante a gestação de gerarem um monstro. Há filmes que já abordaram esse tema, o mais conhecido é o Bebê de Rosemary, clássico de Polansky de 1969. O filme uniu de forma majestosa o suspense de sugestão ao terror absoluto não apenas por colocar no ventre de uma mulher o filho, que pode ou não ser do demônio, mas trazer a ela medo e apreensão, neste momento que deveria ser de felicidade e realização. O mais importante em O Bebê de Rosemary não era a entidade diabólica, e sim a espiral de loucura e paranóia em que ela mergulhava. Na cena final, com a simples decisão de Rosemary em balançar o berço da criança, que residia o terror do filme.
Grace é diferente, o terror esta lá desde a primeira cena.
É necessário dizer que o diretor Paul Solet não é muito intimo de sutilezas, ou ao menos não as aprecia. O impacto de ver a personagem principal Madeline (Jordan Ladd) almoçando com sua sogra já é um prenuncio do que presenciaremos nas próximas duas horas. Enquanto tenta convencer sua nora a procurar um novo médico, a Sra. Vivian Matheson (Gabrielle Rose) separa partes do prato vegetariano preparado para ela, sai a soja, os vegetais, o milho... não sobra muito em sua colher e o que ficou ela não comera. Nessa simples atitude já antevemos o conflito entre as duas. Madeline é vegan, adepta a um estilo de vida naturalista, nada mais condizente do que ter seu filho em um ambiente tranqüilo, longe dos partos despersonalizados de maternidades. O marido não acha uma boa idéia, a sogra reclama mas Madeline confia em sua Drª,e ex companheira, Patricia Lang (Samantha Ferris).
A tragédia está anunciada.

O fato de diversas imagens de animais sendo mortos e estraçalhados em matadouros serem exibidas no televisor de sua casa é apenas uma das ausências de sutileza por parte do diretor. Some a isso um animal doméstico que traz a carcaça de ratos para a casa e o close de um bife cru enrolado em um papel e entendemos que o estilo de vida pode ser vegan, mas isso em breve mudará.
Em um acidente de carro o marido de Madeline falece e a criança acaba morrendo, é obvio que qualquer procedimento médico a ser tomado será ignorado e ela atravessara mais um mês de gestação com o cadáver do filho morto em seu útero pois seu corpo devera expeli-lo naturalmente.
E o nascimento de Grace ocorre na clinica da Dra.ª Lang. Entretanto é correto usarmos o termo nascimento para um natimorto? No caso de Grace sim e não. Afinal embora não respirasse nos primeiros minutos Grace parece ter ouvido a prece de sua mãe enquanto a segurava morta, ela então respira e chora como qualquer outro bebê.

Neste ponto começamos a nos perguntar “O quão insana Madeline é?”
Ela alega que sua filha é um milagre e que não a levara a médicos e nem quer que ela seja estudada. Como assim? Você trabalhou com a Drª Lang, tem formação em área de ciências médica (o filme não especifica qual), é uma pessoa sensata que optou pelo “veganismo” e acredita em um estilo de vida mais saudável! Sua filha morta esta viva e você simplesmente a leva para casa!
As situações depois disso são todas clichês, mas dão arrepios. Ver o bebê cercado por moscas, sangrar enquanto toma banho e presenciar a repulsa que sua mãe sente pelo seu cheiro arrepiam. Mas é quando a boca do bebe surge com o sangue do seio da mãe pela primeira vez que percebemos que não há mais sagrado ali. E Grace terá ainda mais sede.
Madeline como qualquer personagem de filme de terror fara burrice e pagara por isso. Entretanto é quando sua sogra ressurge em cena que o filme apresenta seu lado mais interessante. A Sra. Vivian perdeu seu único filho e na primeira oportunidade que tem de transar com seu marido o induz a sugar seu seio. Posteriormente ela tentara obter a guarda da neta alegando que Madeline não tem condições psicológicas de cuidar da criança (que surpresa). No quarto do filho morto ela retira a bomba de sucção que utilizou a anos atrás e aguarda.
Grace é em suma um filme feminista, mas de feministas com um deficit de inteligência significativo. A começar pela ajudante da Drª Lang, a provável amante da mesma tem ciumes da relação dela com Madeline e não repassa nenhum dos recados deixados por ela. Profissionalismo zero, ainda mais vindo de uma situação tão específica e singular como o parto de Grace.
Madeline por sua vez (e aqui entra uma interpretação minha) já teve um relacionamento lésbico com a Drª Lang, entretanto se casou e parecia inclinada a constituir família com o falecido marido. Repare na primeira cena do filme, como enquanto seu marido transa com ela seu rosto não apresenta expressão alguma, ao terminar ela encolhe as pernas visando facilitar a fecundação do óvulo. O fato dela insistir tanto em ter-la como doutora não é apenas uma forma de manter-la perto, mas também de lhe demonstrar que conseguiu realizar o sonho de ter uma família. Perder Grace e o marido seria o fracasso definitivo, o que contribuiria ainda mais para seu estado de loucura.
A sogra trabalha como juíza, entretanto parece se realizar como mulher apenas quando desempenha seu papel de mãe protetora e a oportunidade de criar a neta se torna assim um desejo extremo.
Ao fim Grace é apenas um filme chocante que se beneficia de diversos furos no roteiro e de um elenco que daria um belo clássico de Almodovar. Do jeito que está parece um comercial anti-Johnson & Johnson com um final gore homenageando Thelma e Louise.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Fan Art

Ai vão alguns Fan Art do Calvin...






Dariam ótimas estampas de camiseta ;)

Estátua da Mafalda



Para quem não sabe no dia 30 de agosto de 2009 foi inaugurada uma estátua da Mafalda em Buenos Aires nas esquinas das ruas Defensa e Chile, no bairro portenho de Monserrat .




O responsável pela obra, o escultor Pablo Irrgang disse que desejava humaniza-la e a construi com 80 centímetros, sua altura nos quadrinhos.



Seu criador o grande Quino confessou que para ele era estranho ver Mafalda em 3D, fora das folhas e tintas.
Estranho talvez... Adorável sem dúvida.

Sobre Sebos


Uma das coisas que mais gosto de fazer em minha cidade é visitar Sebos em busca de alguma raridade e livros com preços mais acessíveis. Não me lembro exatamente quando comecei a freqüentar sebos como apreciador de literatra, mas sei o que me levou a eles.
Eu e um primo estávamos tentando fechar Resident Evil 3 Nemesis e não conseguíamos passar do relógio com o som da caixinha musical na Torre de jeito nenhum. Parecia impossível. Então um conhecido meu disse que eu deveria ir até um Sebo e tentar comprar uma revista de vídeo game por lá. Juntei dinheiro e descobri um Sebo em minha cidade (Sebo que ainda freqüento). No local perguntei a proprietária onde estavam as revistas de vídeo game. Percebi de imediato uma pilha de livros no balcão, ao lado uma mulher parecia estar vendendo os livros.
“Vocês compram livros usados?”
“Compramos, trocamos e vendemos.”
Assim que encontrei uma revista que abordava RE3 a comprei e fui embora. No caminho para casa fui pensando “eles compram livros usados, eu tenho livros em casa, ninguém os lê...” uma coisa levou a outra. Eu era um garoto de 13 anos que não recebia mesada, não trabalhava e a maior quantia de dinheiro que já havia possuído era retirada de um cofrinho repleto de moedas roubadas de toda a família.
Alguns dias depois eu estava Sebo, coloquei em uma mochila todos os livros da Agatha Christie que uma vizinha havia me dado no dia em que limpei a garagem dela (sera que as pessoas realmente pensam que é um bom pagamento para um garoto livros policiais?), todos os livros do Paulo Coelho que minha irmã havia tentado ler nos últimos anos (eram dois ao total) e algumas revistas “de putaria”, como minha avó dizia, que um tio havia me dado para eu utilizar quando crescesse mais.
A mochila estava pesada, a joguei no balcão e fiquei olhando para ela, me sentia orgulhoso por estar fazendo uma negociação com um adulto.
“Seus pais sabem que você esta vendendo isso?”
“Os livros são meus.”
“Mas eles sabem?”
“Não...”
“Certo.”
Ela se voltou para os livros e fez alguns cálculos e chegou a um número impublicável ( por ser muito baixo e por não me lembrar dele.)
“Só?!”
“Sim, mas se você quiser pode voltar pra casa com eles. A mochila esta pesada não é?!”
A estelionatária dos livros tinha razão. Peguei o dinheiro e no dia seguinte comprei um livro novo da linha Daemon de RPG, se eu não me engano era Trevas 2ª edição, foi um dos melhores dias de minha vida. Devorei o livro quando cheguei em casa. Dois dias depois minha vó perguntou sobre os livros da estante.
“Eu doei.”



Algumas semanas depois continuei com meu joguinho sujo, pegava livros em uma estante abandonada de minha avó e os vendia. Era pouquíssimo dinheiro, mas eu já conseguia sustentar minha necessidade de revistinhas de RPG, dados especiais e cartas de Magic.
Um dia porém os livros acabaram...
Alguns meses depois, enquanto fazia um trabalho sozinho na biblioteca municipal fiquei pensando em quantos livros haviam lá. Eu era um freqüentador assíduo do local, conhecia os horários, as saídas para o cigarrinho, as ligações que nunca se encerravam e os locais onde o campo de visão dos funcionários ficava obstruído. E assim comecei minha curta, porém proveitosa carreira de traficante de livros.
O esquema era simples. Ir até a biblioteca, começar a fazer um trabalho e esperar até as 14 da tarde. Neste horário havia a troca de funcionários e Bernardete saia sempre quinze minutos antes de Lucia chegar, dessa forma Clarice ficava sozinha no local. Colocava diversos livros em minha mesa, chamava Clarice e pedia para que ela me localizasse um livro (que eu habilmente havia anteriormente escondido em um local próximo de onde deveria estar, o suficiente para demorar a encontrá-lo) quando ela ia eu colocava dois dos livros de minha mesa na mochila. As 16 horas o café começava, elas se sentavam em uma mesa onde não era possível me observar, mais alguns livros iam para minha mochila...
Em casa arrancava todas as páginas que levavam o selo da biblioteca cuidadosamente e no dia seguinte comparecia ao Sebo.
Um dia esqueci de arrancar um selo e a proprietária o viu
“Isso é da biblioteca”
Eu gelei, pensei por uns cinco segundos.
“Que alívio, ele estava ai! Preciso entregá-lo hoje, obrigado por encontra-lo.”
Alguns meses depois instalaram espelhos na biblioteca, meu esquema não daria mais certo.
Alguns anos se passaram, eu comecei a trabalhar como estagiário em uma empresa de cobrança e um dia caminhando por Florianópolis encontrei um Sebo, entrei e comprei revistas usadas de cinema. Na época eu colecionava uma revista chamada SET. Alguns meses depois perdi o emprego, e como precisava de dinheiro para viajar vendi algumas revistas e (me dói falar sobre isso) uma edição nova do Senhor dos Anéis que eu havia comprado após assistir ao primeiro filme.
Anos depois entrei na faculdade e comecei a freqüentar sebos para comprar livros da minha área e literatura também.
Hoje tenho uma coleção invejável. Já estive em sebos de diversas cidades, incluindo um de Madri que parecia uma verdadeira Torre de Babel. Graças a Sebos tenho quase todos os livros de José Saramago, 5 livros de Cristovão Tezza, outros de Kafka e alguns clássicos. Atualmente, meu tesouro, que será também um presente para o Sr.Paco é um livro de poesias, publicado em espanhol no ano de 1897 impresso em Paris. Essa preciosidade me custou 2 reais. Fico imaginando o que a pessoa que o vendeu pensou quando o fez: “Espero que a minha mãe não descubra...ei aquilo é o novo livro do Harry Potter!!”

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Imagens da Net



quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Mafalda

Preciosa


É possível fazer um paralelo entre o filme Preciosa, com outro filme a ser lançado ainda esse ano no Brasil, O Ponto Cego, ou como as distribuidoras traduziram de forma genérica Um Sonho Possível.
Ambos trazem como personagens centrais jovens negros norte-americanos que vivem em situação de pobreza extrema. Mas enquanto o burocrático e ainda assim “redondinho”filme do diretor John Lee Hancock se revela como um veículo para a atuação burocrática e ainda assim “redondinha” de Sandra Bullock (em um efeito semelhante ao atingido por Julia Roberts em Erick Brockovich) Preciosa se constitui como uma história profundamente trágica e honesta embalada por momentos líricos de fuga da realidade por parte de Preciosa em busca de paz. Nestes escassos momentos, como quando ela conversa com fotografias, lembrei brevemente de Amélie Poulain. O filme ainda apresenta trechos do filme italiano Duas Mulheres de 1960 (e assistir Mo'Nique transvestida de Sophia Loren e dizendo para a filha algo próximo de “come cagna” é no mínimo engraçado... bom ai ela come aquele prato e as coisas voltam a ficar tristes).


A protagonista Claireece ‘Precious” Jones (interpretada pela estreante Gabourey Sidibe) é uma garota de 16 anos, semi-analfabeta, negra, obesa em sua segunda gestação. Sua primeira filha, chamada carinhosamente por ela de “Monga” por ser portadora de Síndrome de Down, é criada pela avó e só a visita em sua casa quando sua mãe precisa lubridiar as assistentes sociais para continuar recebendo seu auxílio do governo. No mesmo apartamento vive seu pai, personagem cujo rosto jamais é mostrado e que sempre aparece entre sombras, sabemos logo no inicio do filme que ele é o responsável pelas duas gestações de Preciosa. Já sua mãe, interpretada de forma indefectível pela apresentadora e comediante Mo'Nique, se revela um dos personagens mais assustadores e trágicos retratados pelo cinema recentemente. Ao ter que lidar com o fato de que seu amado homem prefere fazer sexo com sua filha ela demonstra desprezo extremo por Preciosa, a agredindo fisicamente e psicologicamente, explorando-a para que faça as atividades domésticas e usando-a também como garantia para recebimento de auxílio do governo. Tanta animosidade culmina em uma cena de selvageria pura onde mãe quase assassina filha e neto com uma televisão(!).
O filme muda sensivelmente de tom quando Preciosa é matriculada em uma escola de educação alternativa onde começa a ter aulas com a Sra. Rain (Paula Patton), ao assistir as aulas e ser alfabetizada ela começa a construir sua auto-estima. A personagem de Paula Patton merece um adendo, é gratificante presenciar a retratação de uma personagem homossexual de forma tão sensível e real sem soar estereotipada. Entretanto o encaminhamento para uma nova escola não implica em melhora, muito pelo contrário, coisas ainda piores ocorrem a Preciosa, entretanto pela primeira vez ela encontra apoio com sua professora, amigas de classe e em si mesma para enfrentar as situações.
Preciosa é um filme que antes de qualquer coisa deve ser apontado como audacioso. Ao tratar de temas como racismo, incesto, pobreza, violência doméstica intra-familiar e estrupo jogando-as na cara do expectador sem perguntar se ele está pronto para digerir ou não aquelas situações ele não apenas se recusa a fazer um pacto de passividade com o espectador, mas ainda lhe pergunta “De onde tirei isso tem mais, você quer?”. Em um período onde filmes Hollywodianos estão mais preocupados com o retorno de bilheteria e aprovação do público e menos com o comprometimento artístico e político de uma fita Preciosa é a exceção.
Digo comprometimento político pois a obra é baseada em um livro chamado Push escrito pela americana Sapphire, uma ex-professora e ativista que alega ter escrito em Preciosa a história de diversas garotas que conheceu e que sofreram abusos semelhantes.



Há também no filme a retratação de assistente sociais, minha futura profissão, e confesso que diversos aspectos da abordagem da profissional Weiss, junto a sua “usuária” me chocaram, entretanto, isto pode ser apenas fruto da percepção do diretor acerca da profissão. Afinal imaginar que pessoas como Preciosa precisam se dirigir a um cubículo sem privacidade para expor situações extremas de sua vida, e ainda ouvir da profissional que “Se você quiser o cheque então terá que falar!” é no mínimo... bom, acho que não deve ser tão incomum assim.
O filme também conta com a participação da cantora Mariah Carey, que recebeu um prêmio como atriz revelação, embora ela já tenha atuado antes (Glitter? Alguém se arrisca?). Ao receber o prêmio ela fez um discurso alcoolizada e agradeceu a oportunidade de atuar no filme ao diretor.
Sim Mariah, você finalmente atuou, mas não esquecemos Glitter!

Tirinhas



quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Sobre Café e Nata



-Como prefere o café?
-Com leite, mas sem a nata.
-Não gosta da nata?
-Essa coisa branca, nojenta e que fica boiando em cima do café? Isso que quando você toma fica grudada na boca e te faz sentir ânsia de vomito?
-Entendo, você não gosta.- Ele pega um palito e o leva a boca.- Acho engraçado quando fala dessa forma.
-Como assim?
-Você poderia dizer que não gosta, entretanto...
-Não é o suficiente dizer que não gosto.
-Como assim?
Ela leva o cotovelo direito a mesa, sua outra mão percorri o bolso da calça, ouve o som das moedas e as segura em seguida. -Gosto do leite, mas não gosto da nata, se você me entregar uma caneca de café com leite, sem a nata, eu bebo, caso contrario não. - Coloca as moedas sobre a mesa e começa a contar-las lentamente.
Ele a observa, desvia o olhar, não por temer que ela o perceba naquele momento, mas por não querer olhar-la agora. Há um cão na rua, está cheirando um saco de lixo, tentando com o focinho e as patas violá-lo ele respira lentamente, pensa em controlar a respiração para melhorar. Agora o cão parece também observá-lo. -Mesmo assim você poderia simplesmente dizer “Com leite, sem a nata.”
-Sim eu poderia, assim como eu poderia beber a nata que não gosto, mas não o faço. É simples não gostar de algo, basta simplesmente não gostar. Mas ter a capacidade de explicar o porque de não gostar de algo e ainda fragmentar o “não gostar” em uma justificativa é diferente.
-Pode me dar um exemplo?
Ao abandonar as moedas o ombro dela parece cair. -Amo a liberdade.
-Certo.
-Mas não amo estar livre, não ter uma referência, alguém por quem eu abriria mão do que prefiro, é algo que me incomoda
-Ama ser livre, mas não ama estar livre.
-Sim.
-Onde entra a liberdade nisso?
-Quando estou com alguém preciso de liberdade.
-Como?
Ela parece pensar -Não sei. Não quero falar sobre isso.- O outro sorri. -Não é engraçado.
-Entendi o que você quis dizer. Posso até te oferecer um exemplo.
A garota da um ultimo e longo gole no café, o vapor sobre por entre seus olhos e acaricia sua testa. Ela olha para a carteira de cigarro tentando deter o impulso de sair daquele lugar.
-Amo a distância.- A voz dele estava tremula.- Mas não o distanciamento. Distância é algo que controlamos, medimos e acompanhamos. Mas o distanciamento, esse vem sorrateiro, senta ao nosso lado, finge segurar nossa mão e sussurra no nosso ouvido o que podemos viver em outro lugar. E antes mesmo de termos partido de onde estamos, já não estamos lá. O distanciamento não é físico, ele é qualquer coisa em nós, mas jamais será sinônimo de distância. Embora ambos sejam fruto da mesma coisa.
A carteira de cigarro esta em suas mãos, ela solta a caneca e pela primeira vez tenta observa-lo de maneira atenta aquela tarde.
-De que coisa elas são fruto?
-Promete não rir de mim?- Ela faz que sim com a cabeça.- Eu não sei.
Ela olha para a rua, o cachorro os observa do outro lado. Mas ela não vê.
-Não estou presa a você. Estou livre.
Ele se levanta, coloca o casaco desajeitadamente e sorri.
-Você esta livre. E distante de qualquer coisa que possa ser dividir algo com alguém.- Ele a observa e sorri.- Tem nata presa na sua boca.